A Corda

Acorda foi introduzida no Círio no ano de 1855, quando, no momento da procissão, uma enchente na Baía do Guajará alagou a orla desde próximo do Ver-o-Peso até às Mercês, fazendo com que o carro de bois que puxava a berlinda ficasse atolado. Membros da Diretoria da Irmandade de Nazaré tiveram a ideia de arranjar uma corda, emprestada às pressas por um comerciante local, para que os fiéis que acompanhavam o cortejo pudessem puxar a berlinda e tirá-la do atoleiro.

Durante vinte e oito anos, ou seja, do Círio de 1856 ao Círio de 1884, a corda passou a fazer parte da procissão, tornando-se um item indispensável no ato de puxar o veículo condutor da Santa e sua berlinda, resgatando-a em diversas ocasiões da situação de atoleiro. No ano de 1868, a Irmandade da Festa reconhece a importância da corda na Procissão do Círio, porém sua oficialização só acontece em 1885, quando esta substitui definitivamente os animais que puxavam a berlinda. Entretanto, desde o começo da sua inserção no Círio, a despeito do seu papel funcional, a corda foi adquirindo outro sentido, passando a ser vista como parte simbólica da procissão, especialmente para os promesseiros e devotos que acompanhavam o cortejo, que já viam nesse signo, sobretudo no ato de segurá-la, uma maneira de pagar promessas feitas à Virgem, conduzindo-a até ao final da Romaria.

Assim, ao longo dos anos, depois de Nossa Senhora, a corda se tornou o elemento simbólico mais representativo do Círio, na expressão de muitos fieis, a corda é “como um cordão umbilical que liga os devotos à Mãe Santíssima”, assim como, “ir na corda” é uma atitude vista como a maior demonstração de sacrifício, fé e amor para com ela. Contudo, desde a sua oficialização, até os dias atuais, a corda tem sido motivo de conflitos entre os diferentes segmentos sociais que fazem e vivenciam a Festa, sendo inclusive abolida do Círio entre 1926 e 1930 pelo então Arcebispo de Belém Dom Irineu Jofily. Esta situação provocou uma onda de protestos populares, que recebeu o apoio do interventor Magalhães Barata e de setores da imprensa, que se solidarizaram com os anseios de grande parte da população que reivindicava a volta da corda e do “Círio tradicional”. No entanto, essa questão só foi resolvida em 1931 pelo Bispo sucessor, Dom Almeida Lustosa, que reintegrou oficialmente a corda à Festividade atendendo aos apelos populares. Ao longo dos anos, com o alargamento da Festa de Nazaré, e com o aumento significativo de devotos que acompanham o Círio na corda, uma série de experiências envolvendo esse signo têm sido testadas, com o objetivo principal de auxiliar no fluxo do cortejo, com um menor número de paradas durante o percurso. Porém, nem sempre estas medidas foram eficazes, provocando vários conflitos e disputas políticas entre Diretoria da Festa, Igreja Católica, Estado e devotos em torno da corda.

Entre essas medidas, é válido destacar que no ano de 1999, a corda que até então era amarrada à berlinda, passou a ser atrelada a mesma através de argolas metálicas. São dois pedaços de corda, confeccionados em sisal torcido, cada um deles com 400 metros de cumprimento e 700 quilos, com duas polegadas de diâmetro, que são utilizados respectivamente nas Romarias da Trasladação e do Círio propriamente dito.

De acordo, com a Diretoria da Festa, por motivos de segurança, no ano de 2004, a corda anteriormente feita em forma de U, ganhou formato linear, intercalado por um triângulo, ao qual o outro ponto da corda fica ligado. Este novo formato, visto do alto, faz com que a corda se assemelhe a um terço, o que deu origem às chamadas estações da corda, ao todo são cinco estações e, em cada uma delas há a presença constante dos chamados animadores da corda, que através de palavras de ordem, cânticos e orações estimulam os promesseiros das estações a avançar no cortejo.

Atualmente, o desatrelamento da corda à berlinda ocorre de forma planejada, é interessante notar que esse procedimento tem introduzido uma nova relação entre devoto promesseiro e a corda, que é a de cortar pedaços dela e levar como lembrança da promessa paga. A partir daí, é muito raro que a corda chegue intacta até o fim da procissão, sendo rompida e separada das estações por muitos promesseiros que iniciam uma disputa ferrenha pela posse do objeto “adorado” – a corda. Por conta disso, a Igreja e a organização do Círio estimulam que a corda não seja cortada antes de chegar ao destino final, onde o Arcebispo dá a sua bênção. Um dos objetivos da campanha é evitar que as pessoas levem objetos cortantes até a corda, o que poderia causar acidentes. Não obstante, a essas discordâncias e polêmicas em relação à corda, o fato é que, acima de tudo, para os devotos ela representa uma ligação com o sagrado, tocá-la significa estabelecer um elo especial com Nossa Senhora de Nazaré, é participar intensamente da fé do Círio.