Arraial de Nazaré

U m dos significados da palavra arraial é lugar em que festas populares são realizadas. Assim é o Arraial do Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Trata-se de um espaço onde se realizam atividades culturais, profanas e que ocorrem desde o primeiro Círio. É um espaço de divertimento, que acompanha o Círio desde 1793, junto à feira organizada pelo governador Francisco de Sousa Coutinho. Com o passar dos anos, foram surgindo junto à feira barraquinhas de comidas típicas e, para proporcionar um pouco de diversão aos devotos, foram incluídos na programação jogos, brincadeiras, sorteios, leilões, apresentação de teatro e brinquedos. A feira, juntamente com a procissão, passaram a ser conhecidas como Festa de Nazaré, organizadas por uma irmandade criada para esse fim, a Irmandade de Nossa Senhora de Nazaré do Desterro.

Desde o início, portanto, a Festa de Nazaré é marcada por aspectos religiosos, como a procissão que conduz a imagem da santa, os cânticos religiosos, as orações, o pagamento de promessas e o reconhecimento das graças alcançadas de Nossa Senhora de Nazaré. Mas, também fazem parte da Festa de Nazaré aspectos profanos como o comércio, as danças populares, a bebida alcoolica, as representações teatrais, a música, os jogos, que são realizados no Arraial de Nazaré.

A feira de produtos regionais deixou de ser realizada, mas os folguedos continuaram. No arraial, que até 1982 era realizado no terreno em frente à igreja de Nazaré, onde hoje está a Praça Santuário, existiam alguns coretos, em que aconteciam apresentações de dança, ginástica e teatro, principalmente no chamado Pavilhão de Flora. A Sociedade do Descanso alugava cadeiras para aqueles que quisessem assistir as apresentações de forma mais confortável.

Os jogos constituíam grande atrativo e eram anunciados nos jornais. A música também era atrativo importante para o público que ia ao arraial. Maestros locais dirigiam pessoalmente as orquestras que tocavam no arraial. Para o arraial do Círio de 1876, anunciava-se “Grandes concertos pelas festejadas filarmônicas dos clubes Santa Cecília e Mozart”.

Algumas brincadeiras ou entretenimentos eram destacados nos jornais e revelam o quanto de animação popular havia no arraial do século XIX. Grande sucesso faziam o paticídio ou a matança de patos por moleques, o porquicídio (matança de porcos), a corrida do saco, a dança na corda e o mastro de cocagne ou pau de sebo.

Em vários momentos, ao longo do século XIX, a igreja tentou acabar com os jogos e com a venda de bebida alcóolica, o que gerava conflitos com os devotos. Os jogos chegaram a ser proibidos no Código de posturas municipais de 1848. Muitos diziam que, sem os jogos, a festa ficaria sem graça. Para os devotos, as brincadeiras no arraial faziam parte da homenagem prestada à Nossa Senhora de Nazaré, faziam parte da festa.

Com o processo de urbanização de Belém e o combate feito pela igreja aos divertimentos populares, o arraial foi se modificando. Muitos dos divertimentos do arraial do século XIX estavam ligados a um mundo rural, como alguns que ainda acontecem nas festas juninas.

No século XIX, o arraial era uma expressão da forte participação popular tanto na organização quanto na execução do Círio de Nazaré. Era um espaço de expressão da diversidade cultural brasileira, com forte presença de índios e negros em uma devoção para cá trazida por brancos portugueses, em diálogo com elementos de outras culturas do mundo. Com o maior controle que a igreja passou a exercer sobre a organização do Círio de Nazaré, ocorreu um esvaziamento dessas tradições populares e o espaço do arraial passou a ter um sentido mais religioso.Com a inauguração da Praça Santuário, em 1982, o arraial se mudou para o terreno ao lado da Basílica. Apesar de em diversos momentos muitos terem anunciado seu fim, ele continua vivo e, mesmo com outros significados, ainda é marcado por dimensões de uma sociabilidade profana, festiva, característica do modo como os devotos compreendem a expressão de sua fé em Nossa Senhora de Nazaré.